domingo, 11 de agosto de 2019

O caso do Padre Fábio de Melo

Uma menininha cai pela janela do seu apartamento em São Paulo, do sexto andar, numa noite do fim de março de 2008. Teria sido atirada por assaltantes, alegou o pai. A polícia não comprou a conversa, foi adiante nas investigações. O pai e a madrasta foram indiciados por homicídio. O inquérito policial originou um processo, que redundou na condenação do casal pelo Tribunal do Júri a que foram submetidos. A pena foi alta. Mais de trinta anos de prisão. Neste ano de 2019, Alexandre Nardoni sairá do presídio no Dia dos Pais. Após, retornará para cumprir a pena normalmente.
Um famoso sacerdote, desses com presença constante na mídia, emite o juízo de que presos na situação do acima indicado apenas poderiam sair no Dia de Finados, para visitar aqueles que assassinaram. Soou para alguns um pouco como suplício da mais pura tortura psicológica. Eu não tive boa impressão sobre o que o Padre falou. (Pareceu uma pessoa ávida por agradar um certo tipo de pensamento social muito em voga no país de hoje.) A má impressão foi generalizada. Dado esse efeito, o Padre foi bombardeado através das redes sociais.
Nesse quadro, Padre Fábio de Melo decide sair do Twitter, a fim de, em suas palavras, zelar por sua sanidade mental. De fato, fez um comentário inadequado. Pareceu coisa de quem se mete a falar sobre o que não entende - ou, pior, de quem quer "surfar numa nova onda de sentimento social". Ele questiona a saída do Alexandre Nardoni no Dia dos Pais. Nardoni que, como sabemos, foi condenado pela morte da filha. É paradoxal por um lado. Mas, por outro, Nardoni tem pai. Lembro do pai do sujeito dando várias entrevistas nos meios de comunicação. O velho foi atuante na defesa do filho. Lembro da expressão de sofrimento daquele senhor. Tinha a neta morta e o filho acusado pelo crime. Uma situação terrível, todos havemos de convir. Alexandre Nardoni tem pai. E mais. Tem outros filhos. Esses deveriam ser privados de ver o pai que tem no Dia dos Pais? Com todos os defeitos que possa ter, Alexandre Nardoni ainda tem dois filhos no mundo. O pai não deve mais ver seus filhos por ser um assassino? Que recuperação se pretende para um sujeito em tal circunstância? Como se restabelecer na sociedade sem ir retomando, aos poucos, o convívio familiar? Digo isso considerando o lado emotivo da coisa - que é só o que se enxerga nas redes sociais, nessas horas.
Por outro lado, o jurídico, a saída nesses "dias sagrados" pouco tem a ver com as vítimas. São saídas que, em tese, integrariam a nova inserção do sujeito na sociedade. O Direito Penal e o Direito Processual Penal, no momento da aplicação da pena, pouco tem a ver com as vítimas, essa é a realidade. Não significa menosprezo por quem sofreu mácula em sua integridade. Não é menoscabo por uma inocente assassinada de modo covarde. É que o cuidado em relação às vítimas é de outra esfera. Essas, quando sobrevivem, são assunto de psicologia, psiquiatria, saúde pública, políticas públicas, assistência social etc. Isso quando sobrevivem. Quando morrem, infelizmente, não voltariam ao mundo por maiores que fossem os castigos impostos ao homicida.
Após o anúncio de sua saída da rede social, o Padre deu mais bobeira (em minha opinião). Se "credenciou" para falar sobre o tema alegando ter trabalhado na Pastoral Carcerária. Aí que ficou feio mesmo (aos olhos dos que o detonaram). O sujeito não demonstra ter essa noção básica que expus um pouco antes, da finalidade ressocializadora da pena, porém, ao que parece, julga-se um especialista em política de reinserção social de egressos do sistema penal por ter atuado na Pastoral Carcerária... Fica complicado, difícil de ser levado a sério.
É verdade que nada justifica o cara ser espinafrado pelo lado pessoal, que se joguem no ventilador problemas psicológicos que o Padre relata ter e tudo o mais que foi feito via mídias sociais contra o clérigo. Mas esses Facebooks da vida têm uma grande mazela: seus usuários se sentem tarimbados para falar sobre todo tipo de assunto, em especial acerca daqueles cujo entendimento possuído pelo "produtor de conteúdo" é zero. Dá no que deu para o Padre.
O mais provável é que o Padre nem tenha falado de má-fé. Com certeza, analisando melhor, não foi por ignorância. Já o vi falando. É um cara ponderado. Fala muita coisinha bonitinha, chata mesmo, talvez até banal, mas não é nada que ofenda ninguém. Pelo contrário. Muita gente gosta. É a primeira vez que tenho notícia dele falando algo estabanado. Isso me leva à seguinte conclusão: penso que foi outra vítima de um fenômeno comum nas redes sociais: a emissão de opinião "no quente da hora", sem reflexão, sem a necessária medida de consequências das palavras.
Eis a processualidade do fenômeno: O cara escreve. E "posta" de imediato, sem revisar o texto para passar a limpo, digamos assim. Só com essa digestão é que se deveria divulgar o conteúdo, penso eu. A pressa das redes sociais não permite a metabolização adequada das ideias. Aí dá nisso. O cidadão, por mais bem intencionado que seja, "posta", porém desliza, fala algo inapropriado, e a galera "dá o print" - salva a imagem do texto malsinado e torna a coisa sem solução. Após, nem adianta se arrepender. O negócio "tá na nuvem", sem chances de ser apagado, sem direito a ser esquecido - para desgraça de quem o fez.
Com certeza os livros do Padre não saíram da gráfica em processo similar. O que me leva a uma nova conclusão: temos que ter cuidado com o que lemos nas redes sociais, mesmo que venha de pessoas que podem ser consideradas formadoras de opinião. Elas também estão contaminadas pela afobação própria de Instagrams e Twitters. As redes sociais tornam as pessoas pouco confiáveis, mesmo as portadoras das melhores intenções.
Eu ainda prefiro ler um livro. Não pretendo ler o Padre. Mas com certeza não veríamos um Fábio de Melo tão precipitado nas obras de sua lavra.

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